segunda-feira, 22 de outubro de 2012

LAMÚRIOS DE UMA PRACINHA


*Hamilton Bonat

Estou aqui há muito tempo, muito antes do que as pessoas que passam por mim apressadas, sem sequer saber o meu nome. Presenciei a chegada do primeiro bonde, que sumiria décadas mais tarde. Vi os barões do café construírem suas mansões, agora transformadas em agências bancárias e em concorridas casas noturnas.
Em 2007, decidiram cortar-me ao meio. Diziam que eu estava atrapalhando o trânsito. Milhares de carros, vindos pela Carneiro Lobo, tinham que me circundar para acessar a avenida Bispo Dom José. Poucos me defenderam, nem os que me consideravam o símbolo do bairro. Entrei em depressão. Fiz terapia, mas não adiantou. Não conseguiram me convencer. À força, fui parar na sala de cirurgia. Quando voltei da anestesia, estava cortada ao meio. Você não tem ideia de como foi difícil. Mas, se era para o bem do povo…
Ultimamente, tenho observado a indignação do mesmo povo. A prefeitura, que em 2007 me levou à sala de cirurgia, está gastando R$ 3,150 milhões para estreitar a Bispo Dom José. Ora, se me amputaram para que o trânsito fluísse nessa avenida, como explicar o seu afunilamento?
Dizem que é por causa da tal da Batel Soho. Como costumo ler a primeira página dos jornais expostos na minha banquinha, sei que Soho, abreviatura de South of Houston, indica a região de Nova York localizada ao sul da rua Houston. Designa, também, badaladas áreas de Londres, Hong Kong e, na Argentina, a  Palermo Soho.
Antes que esqueça, e para quem não sabe, possuo uma banquinha (onde há jornais), uma floricultura (ali existem flores), uma cafeteria (lá tem café) e um módulo da guarda municipal (onde nunca se encontra um guarda).
Soube que minha amiga Espanha, praça como eu, também entrou em depressão. Foi quando empresários do ramo imobiliário rebatizaram de Champagnat o bairro onde nasceu. Recentemente, outros empresários, estes do setor de gastronomia e lazer, apelidaram-na de Batel Soho. Ora, minha amiga fica no Bigorrilho, e não renega as suas origens, muito menos a sua província. Ela não é novaiorquina. Ambas nos orgulhamos de sermos curitibanas. Desconfiamos que os tais empresários é que não são.
O que me preocupa é que os comerciantes da região querem que o Batel Soho se espalhe por cerca de 10 quadras ao redor da Espanha. Neste caso, pelo mapa, também faço parte periférica dessa aberração. Como não quero brigar com a minha velha amiga, liguei para ela. Concordamos em fazer uma campanha contra esse golpe baixo de empresários e marketeiros.
Aliás, outro empresário, este do ramo de shoppings, conseguiu acabar com a única área verde que havia no Batel. Descobri porque os oito andares do seu novo shopping estão sendo erguidos bem perto de mim. Estranho que ninguém tenha protestado, nem o povo, muito menos as autoridades, aí incluídos os ditos ambientalistas. Árvores centenárias, que vi crescer, aos poucos foram sumindo, normalmente de madrugada. De onde estou, dá para ver o que ainda resta do bosque e visualizar a copa seca de mais um pinheiro que logo irá abaixo.
A dita capital ecológica não existe mais. Está mais para Nova York do que para Terra dos Pinheirais. Pensando bem, talvez Batel Soho não esteja tão errado assim.
Assina: Praça Miguel Couto ou Pracinha do Batel ou Praça do Soho ou Pracinha Mutilada ou… sei lá quem sou! Só sei que preciso retornar ao meu psicanalista.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

FATOS POLÍTICOS RECENTES (E ANÁLISE DA CONJUNTURA)


1. COMPASSO DE ESPERA


OS FATOS
A crise econômica internacional iniciada em 2007 prossegue sem perspectiva de solução, embora esteja marcado para este fim de semana mais um encontro de líderes em Bruxelas. Na semana ainda, a insatisfação que transformou a Grécia num cenário de descontentes se estendeu para a Espanha e Portugal, com multidões saindo às ruas para protestar contra as políticas de rigidez adotadas por seus governos. Em novo lance do problema, o presidente francês François Hollande passou a “se estranhar” com a governante alemã Ângela Merkel, a quem acusou de estar focada na política interna da Alemanha em vez de liderar o processo de unificação econômica da Europa.
ANÁLISE
Enquanto os europeus unitários continuam volteando em busca de soluções ortodoxas – esquecidos dos ensinamentos de Keynes, para quem problemas extraordinários requerem soluções também não ordinárias, isto é, heterodoxas – os povos afetados vão perdendo a paciência. Nesse caldo de cultura é que pode estar um “ovo de serpente”, como advertiu o premier grego Sâmaras, ao receber visita recente da corregedora alemã da crise, a sra. Merkel. Ingleses também reclamam da postura negativista dos seus vizinhos continentais. Porém, para alento dos europeus, é possível que em novembro – se vencer a campanha pela reeleição – o presidente Obama, dos Estados Unidos, compareça com soluções de um novo Plano Marshall para resgatar o velho continente.
2. DISCRETA RETOMADA
OS FATOS
No Brasil, enquanto isso, a economia ensaia uma retomada ainda discreta, mas positiva, com a indústria produzindo mais para o mercado interno e as exportações sendo dinamizadas pelas medidas de apoio à compeitividade do país. Embora a taxa de geração de empregos tenha se mantido em patamar quase neutro as empresas ampliam o índice de atividade e os consumidores se animam, beneficiados pela redução dos juros e ampliação do crédito – além da aproximação do ciclo de fim de ano.
ANÁLISE
Os pontos sob reserva giram em torno de situações específicas anteriores – a complexidade burocrática e tributária, a baixa qualificação da mão-de-obra e as deficiências de infraestrutura – além de novos problemas de base pontual, entre eles certa tendência intervencionista expressada pelo governo nos últimos meses. O empenho em assegurar o crescimento e melhorar as condições da população (reduzindo juros, custos de energia, etc) é positivo, porém o bom senso recomenda não ir com muita sede ao pote. Países vizinhos que se afundaram no intervencionismo passaram a colher frutos amargos desse ativismo governamental – lição que aproveita ao Brasil.
3. CONTROLE E DESEMPENHO
OS FATOS
A propósito, vem a calhar tese do engenheiro Rodolfo Landim, ex-diretor da Petrobrás: o país deve buscar o equilíbrio entre controle e desempenho, ou seja, resgatar o balanceamento entre ações de controle (regulação) e de execução em projetos econômicos e atividades. Landim vê tais controles, legitimados pela reconquista da democracia, aplicados a projetos de investimentos e outras iniciativas principalmente no setor público. Porém, por deformação natural, normas e regulamentações foram sendo ampliados até o extremo oposto: empreendimentos são paralisados por órgãos dotados de autonomia, por atuação de minorias, etc. – causando danos ao interesse geral.
ANALISE
Esse interesse público será melhor atendido ao se combinar o controle com o desempenho, de forma a “rebalancear os processos para sintonizar o modo de trabalho à missão maior da organização”, do Estado, etc. – destaca o ensaista. Para tal cumpre corrigir as disfunções derivadas da burocratização com a racionalidade, como fez em período passado o saudoso ministro Hélio Beltrão. Aliado às iniciativas do projeto Brasil Competitivo, um esforço nessa linha pode render mais 0,5% do PIB.
4. SAFRA E ESCOAMENTO
OS FATOS
A chegada das chuvas de verão está apontando para a previsão de uma boa safra de grãos no Brasil e, em especial no Paraná, para o ciclo 2012-13. As semeaduras da soja e do milho se somam à extensão de lavouras mecanizadas de feijão e outros cultivos, prenunciando uma colheita em torno de 30 milhões de toneladas – se adicionados o trigo e o milho-safrinha. Para o país como um todo, os órgãos técnicos divulgaram estimativas de safra da ordem de 170 milhões de toneladas, beneficiadas pela retração derivada de alterações climáticas em outras regiões produtoras.
ANÁLISE
A preocupação reside nas deficiências da infraestrutura para o escoamento de grandes volumes de produtos em períodos curtos. Neste sentido o Paraná espera a presença de autoridades federais para a apresentação de uma alternativa de transporte por ferrovia entre os centros de produção e a região portuária – principalmente Paranaguá – que inclui a construção de uma segunda linha ferroviária entre Guarapuava e o porto; bem como a extensão dos trilhos desde Cascavel no oeste paranaense até o pólo de Maracajú no Mato Grosso do Sul via Guairá. O estudo, produzido pelo Instituto de Engenharia, ganhou consenso das principais entidades representativas do empresariado e da sociedade paranaense.
5. MENSALÃO E CAMPANHA
OS FATOS
Na arena institucional o Supremo está concluindo o julgamento do processo do “mensalão” – ação penal nº 470, que trata da cooptação de dirigentes partidários e parlamentares no início da década. A maioria dos denunciados sofreu condenação, devendo as penas serem dosadas nas próximas semanas pela corte superior. Um fato que chamou a atenção foi a absolvição dos publicitários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes que, acusados de receber os pagamentos de campanha eleitoral em moeda estrangeira e em conta no exterior, foram absolvidos por falhas na regulação dessas transações.
ANÁLISE
Nomes de destaque no cenário político foram condenados, porém os resultados do mensalão ainda não repercutiram no processo eleitoral, tanto no primeiro como neste segundo turno. As campanhas principais estão prosseguindo em ritmo normal – como indica em São Paulo a dianteira do candidato do PT, Fernando Haddad, ante o tucano José Serra. Em Curitiba a preponderância da candidatura Gustavo Fruet (lançado por uma aliança entre PDT, PT e PV) levou seu concorrente, Ratinho Junior, a desfechar ataques contra o rival – que reafirmou a continuidade da linha de baixo impacto tipo “paz e amor”. Pesquisas divulgadas neste fim de semana mostraram que  tais posicionamentos não influíram no resultado.
MISCELÂNEAS (I)
O governo de Cuba, sob a regência do irmão mais novo, Raul Castro, prossegue a linha de liberalização. Agora aboliu a necessidade de visto de autorização para os cidadãos que desejarem emigrar =/= Tensões envolvendo a Síria e a Turquia podem se estender para as relações entre os turcos e a Rússia, apoiadora do governo sírio =/= Governo da Colombia e guerrilheiros das FARC iniciam negociações para acordo de paz.
MISCELÂNEAS (II)
Governo da presidente Dilma Rousseff vetou pontos controversos da legislação florestal recentemente aprovada pelo Congresso. Os vetos reabrem a polêmica entre setores urbanos, de fundo ambientalista e os produtores rurais =/= Demora na retirada de um avião cargueiro acidentado no aeroporto de Viracopos chama atenção para a deficiência na logística de infraestrutura =/= Desafio das autoridades: combinar crescimento com estabilidade monetária. Por que a inflação assusta e desorganiza.

Rafael de Lala,
Presidente da API – Associação Paranaense de Imprensa
Coordenação da Frente Suprapartidária do Paraná pela Democracia
e Grupo Integrado de Ações Federativas do Paraná
E-mail: api1934@gmail.com Twitter: @Apimprensa
Contato:     (41) 3026-0660 / 3408-4531/ 9167-9233
Rua Nicarágua, 1079 – Bacacheri – Curitiba/PR

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

MENSALÃO: O SUPREMO DO SUPREMO


*Hamilton Bonat

O apresentador anuncia as manchetes do telejornal da manhã. A primeira imagem é dele. Profissionais de tevê são competentes. Sabem como despertar nossa atenção. Mas tenho que sair. Desligo o aparelho e desço. Passo pelo porteiro, que emite sua opinião sobre o tempo e sobre ele. Curitibano fala do tempo antes de dar bom-dia, quando dá! Na padaria, a conversa gira em torno dele e do preço do pão. É na fila do caixa que as pessoas constatam que a inflação é muito maior do que a oficialmente anunciada. Passo na banca e novamente encontro com ele, agora ao lado de craques, habituais frequentadores das primeiras páginas. Dono de jornal não é bobo. Conhece e alimenta nossa paixão pelo futebol. Já de volta, durante o café, minha mulher reclama que os filhos não têm ligado e puxa conversa sobre ele. Mães esquecem que os filhos têm que dar duro para pagar a escola dos filhos, cada vez mais caras, pois o ensino público não lhes oferece opção de qualidade. Ligo o computador e tomo um susto. Nas mídias sociais, ele já é o novo presidente. A internet tem o poder de eleger até quem não é candidato.
O brilhante currículo de Joaquim Benedito Barbosa Gomes tem-se espalhado aos milhões pelas redes sociais. Um filho de pedreiro do interior de Minas, que precisou trabalhar enquanto estudava, e tornou-se, com todos os méritos, Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Pode ser que ele nunca tivesse pensado em envolver-se em política. Se pudesse, sequer leria as maçantes linhas e entrelinhas de cerca de 50.000 páginas de um processo envolvendo políticos. Mas, na condição de relator da ação penal 470, viu-se obrigado a debruçar-se sobre aquele imbróglio todo, que daria um bom roteiro de romance policial. Poderia ser outro, mas o destino lhe reservara a difícil missão, provavelmente a mais espinhosa até hoje cumprida por um ministro da mais alta corte. Involuntariamente, se tornaria famoso, pois sua tarefa seria acompanhada por milhões de brasileiros angustiados.
A dedicação e imparcialidade com que se aprofundou no caso conhecido por mensalão teve o dom de acordar os brasileiros de sua letargia cívica. A descrença de que, algum dia, os envolvidos no maior esquema de desvio de dinheiro público iriam responder pelas ilicitudes cometidas, transformou-se num tsunami, capaz de lavar a alma daqueles de quem os impostos aspiram perto de 40% do suor do seu trabalho.
Os ministros do Supremo, apesar de duas dissonantes e parciais exceções, reafirmaram a independência do poder judiciário. Tiveram a coragem de fazerem-se de surdos, cegos e mudos, e julgaram, como de seu dever, conforme os autos. Contrariaram políticos sem ética, ávidos para que prevalecesse a visão política, desejo dos atores de uma peça na qual, ao seu final hollywoodano, os envolvidos viveriam felizes para sempre.
Mesmo que, ao término do processo, a pena dos réus venha a ser branda, há muito a comemorar. Mais do que comemorar, renova-se a esperança de uma população inteira no surgimento de um Brasil pós-ação penal 470.
O agora famoso relator do mensalão, não só cumpriu a lei feita pelos políticos, como a defendeu contra políticos que tentaram driblá-la. Superou pressões, algumas veladas, outras ostensivas, internas umas, como a nota assinada por seis presidentes de partido, externas outras, como a da ameaçadora comissão interamericana de direitos humanos da OEA.
O brasileiro, esperançoso por excelência, ainda sonha em ter um mandatário com o seu perfil. Presidente virtual ele já é.