*Hamilton Bonat
O apresentador anuncia as manchetes do telejornal da manhã. A primeira imagem é dele. Profissionais de tevê são competentes. Sabem como despertar nossa atenção. Mas tenho que sair. Desligo o aparelho e desço. Passo pelo porteiro, que emite sua opinião sobre o tempo e sobre ele. Curitibano fala do tempo antes de dar bom-dia, quando dá! Na padaria, a conversa gira em torno dele e do preço do pão. É na fila do caixa que as pessoas constatam que a inflação é muito maior do que a oficialmente anunciada. Passo na banca e novamente encontro com ele, agora ao lado de craques, habituais frequentadores das primeiras páginas. Dono de jornal não é bobo. Conhece e alimenta nossa paixão pelo futebol. Já de volta, durante o café, minha mulher reclama que os filhos não têm ligado e puxa conversa sobre ele. Mães esquecem que os filhos têm que dar duro para pagar a escola dos filhos, cada vez mais caras, pois o ensino público não lhes oferece opção de qualidade. Ligo o computador e tomo um susto. Nas mídias sociais, ele já é o novo presidente. A internet tem o poder de eleger até quem não é candidato.
O brilhante currículo de Joaquim Benedito Barbosa Gomes tem-se espalhado aos milhões pelas redes sociais. Um filho de pedreiro do interior de Minas, que precisou trabalhar enquanto estudava, e tornou-se, com todos os méritos, Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Pode ser que ele nunca tivesse pensado em envolver-se em política. Se pudesse, sequer leria as maçantes linhas e entrelinhas de cerca de 50.000 páginas de um processo envolvendo políticos. Mas, na condição de relator da ação penal 470, viu-se obrigado a debruçar-se sobre aquele imbróglio todo, que daria um bom roteiro de romance policial. Poderia ser outro, mas o destino lhe reservara a difícil missão, provavelmente a mais espinhosa até hoje cumprida por um ministro da mais alta corte. Involuntariamente, se tornaria famoso, pois sua tarefa seria acompanhada por milhões de brasileiros angustiados.
A dedicação e imparcialidade com que se aprofundou no caso conhecido por mensalão teve o dom de acordar os brasileiros de sua letargia cívica. A descrença de que, algum dia, os envolvidos no maior esquema de desvio de dinheiro público iriam responder pelas ilicitudes cometidas, transformou-se num tsunami, capaz de lavar a alma daqueles de quem os impostos aspiram perto de 40% do suor do seu trabalho.
Os ministros do Supremo, apesar de duas dissonantes e parciais exceções, reafirmaram a independência do poder judiciário. Tiveram a coragem de fazerem-se de surdos, cegos e mudos, e julgaram, como de seu dever, conforme os autos. Contrariaram políticos sem ética, ávidos para que prevalecesse a visão política, desejo dos atores de uma peça na qual, ao seu final hollywoodano, os envolvidos viveriam felizes para sempre.
Mesmo que, ao término do processo, a pena dos réus venha a ser branda, há muito a comemorar. Mais do que comemorar, renova-se a esperança de uma população inteira no surgimento de um Brasil pós-ação penal 470.
O agora famoso relator do mensalão, não só cumpriu a lei feita pelos políticos, como a defendeu contra políticos que tentaram driblá-la. Superou pressões, algumas veladas, outras ostensivas, internas umas, como a nota assinada por seis presidentes de partido, externas outras, como a da ameaçadora comissão interamericana de direitos humanos da OEA.
O brasileiro, esperançoso por excelência, ainda sonha em ter um mandatário com o seu perfil. Presidente virtual ele já é.
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